por Thiago Fonseca,
O Matavele e o Sabonete estavam ali, há horas, a jogar N´txuva, sentados.
Enquanto jogavam, falavam em voz alta.Estavam a discutir uma discussão muito discutida:
Quem tinha nascido primeiro?- A galinha ou o ovo?
- A galinha, claro, diz o Matavele. Se não, como poderia ela ter ovos para nascerem outras galinhas?
Mas o Sabonete não estava de acordo. Para ele era o ovo. Afinal, só do ovo é que nasce o pintainho que cresce e se torna uma galinha para pôr ovos.
Os argumentos eram muitos.
A conversa por momentos até chegou a tomar caminhos religiosos.
O Matavele, católico, acreditava que Deus tinha criado o mundo, a natureza, o Homem, os animais, e por isso tinha criado a galinha primeiro e não o ovo.
Mas o Sabonete era Zione, uma das maiores religiões de Moçambique, e não tinha essa ideia.
Os pontos de vista acabavam sempre em reticências.
O mesmo sucede com o debate no que toca à originalidade na publicidade e no marketing.
No caso da publicidade, criação é criar acção. É mover as pessoas, persuadi-las a fazerem algo. E para que isso aconteça nem sempre é preciso fazer algo 100% único.
As ideias são um processo. São emprestadas, misturadas, desenvolvidas a partir de outras ideias.
O que se pretende atingir é destaque, atenção.
A criatividade é saber entreter com trabalho fresco que inspire os outros. Que faça as pessoas pararem para quererem ver.
Não é criatividade, é criar actividade.
Não é criação. É criar acção.
Fazer mover as pessoas em relação a algo.
É fazer com que as coisas aconteçam. É transformar o que já existe em coisas novas.
E isso não é apenas na criação publicitária.
O processo criativo é um processo evolutivo de associação de coisas e até de ideias que já existem, se juntam e formam ideias novas.
Na natureza nada se perde, tudo se transforma. Tudo se recria.
No caso do marketing, para a comunicação funcionar nem tudo tem de ser 100% original. Acontece isso, por exemplo, no caso dos produtos femininos de beleza e hidratação da pele. Marcas como a Lancôme, a L’Oreal e muitas outras, onde há mais de 100 anos que o anúncio é normalmente uma mulher linda ou uma celebridade com a pele perfeita e a marca ao lado.
Uma ideia repetida um milhão de vezes que sempre funciona.
CRIAR É UNIR PONTOS.
Thomas Edison, que está associado à invenção da lâmpada, disse um dia que “uma ideia só precisa de ser original no novo contexto em que está a ser aplicada”.
Foi preciso um processo e uma cadeia de eventos e descobertas desde a energia eléctrica para ele ter conseguido juntar tudo e criar uma nova ideia: a lâmpada. Que por coincidência é o maior símbolo visual da criatividade.
Thomas Edison disse que “criar tem 1% de inspiração e 99% de transpiração”.Ou seja, muito trabalho.
Picasso, Matisse e outros génios da arte no início do século XX foram conotados com a invenção do cubismo. Mas o próprio Picasso, mais tarde, admitiu que se tinha inspirado em Braque, que por sua vez também tinha as suas influências nos traços irregulares das máscaras e esculturas africanas para criar a sua arte.
Steve Jobs foi considerado um génio. Lançou produtos inovadores na Apple, como o iPad, o iPhone e tantos outros. Mas a tecnologia touchscreen já tinha sido inventada. O que Jobs fez foi um bom job. Tornar essa tecnologia agradável, humana, funcional, inspiradora. Ele não estava à procura de resolver o debate da galinha e do ovo. Estava a fazer omeletes.
Uma das famosas citações de Jobs é que “a criatividade é simplesmente o acto de juntar as coisas”. .
É como disse o Manuelito do mercado de arte quando lhe perguntei como tinha feito aqueles batiques tão bonitos: “-… ahhh, peguei uma ideia aqui, outra ali e juntei, e fiz a minha coisa!”
O CRIADOR DE INDIFERENÇAS.
Nos anos 60, o termo “criativo” surgiu na actividade publicitária. Era a revolução criativa. A palavra era associada à genialidade e ao glamour. Uma tentação para os egos de muitos. Na época, os mais velhos discordaram desse termo. Eu também.
Criativo é um adjectivo. Criador é uma profissão. Por isso prefiro a designação profissional de criação a criativo, porque o trabalho de um publicitário é criar.E o que nós criamos pode, ou não, ser criativo.
Não se trata de conquistar um emprego no departamento criativo de uma agência e chegar a casa e dizer: “Consegui o emprego, sou um criativo”. E se o que cria não criar a diferença? É mais uma pessoa que vai para o serviço todos os dias para receber o salário no fim do mês.
É ingénuo quem pensa que a sua ideia é a única do mundo e que ninguém pode ter tidoa mesma noutro canto do planeta.
Em alguns casos, "criadores", criam dores. Criam problemas que não resolvem o briefing nem comunicam com eficácia. É raro um criador ser criativo.
Na publicidade, ser criativo é criar ideias que gerem resultados.
Quem for para a publicidade à procura de criar algo que nunca foi antes criado, pode frustrar-se rapidamente e isso inibir o seu trabalho. Porque tudo, qualquer coisa, pode ser comparada de alguma forma a outra coisa. Por isso, crie sem medos.
Uma ideia nova é uma versão de uma evolução de associações originais.
Criar é a expressão de nós mesmos. E nós somos a soma de tudo o que vemos, lemos, vivemos, aprendemos, experimentamos.
Não fique preso nem inibido.
Saia de dentro da casca. Crie com alma.
Se for para cantar, é para encantar.
Se for para escrever, é para fazer ver.
Se for para criar uma arte, faça de forma a que seja açúcar para os olhos. Faça com que outros olhem e queiram fazer parte.
Este é um tema difícil. Mas o facto é que não há duas galinhas nem dois ovos exactamente iguais.
Nem no caso das pessoas. Os gémeos mais parecidos não são 100% iguais.
Depois de horas de discussão, o Sabonete virou-se para o Matavele, cansado, e disse:
“- Estou com fome. Só comi um ovo esta manhã”.
E foram os dois almoçar uma galinha grelhada à moda da Zambézia.Com um tempero bem moçambicano.
Um tempero original.
Mas que origina de todas as influências que essa receita teve.
top of page
Thiago Fonseca - Chief Creative Officer and Partner of Agência GOLO / CEO of Grupo LOCAL Mozambique
bottom of page