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A Boutique Inclina.

por Thiago Fonseca

 

Estavam num salão na cidade grande.


A Ninita fazia as unhas da esposa do Doutor enquanto falava.

E falava, falava. Nesse dia a Ninita estava mais bonita com roupas novas.

 

-  Ninita, onde compraste essa blusa e essa carteira tão chique, de marca. É mesmo Louis

Vuitton original?

 

-  Sim Senhora, comprei na Boutique inclina!

 

-  Boutique inclina?

 

-  Sim na Boutique inclina.

 

-  Ninita, tens de me dar a morada dessa boutique eu quero ir lá hoje.

 

-  Senhora, a Boutique inclina está em todo o lado.

 

-  Como assim Ninita?

 

-  É só a Senhora andar, ir na rua, no passeio, pára e inclina. Assim vai ver as roupas ali

no chão.
 

A Senhora não estava a perceber bem. A Ninita continuou a explicar.

 

-  Há outros que chamam de calamidades. Mas é tudo Dzudza na Boutique inclina.

 

-  Dzudza?

 

-  Sim. Dzudza significa vasculhar. Assim a Senhora tem de dzudzar, inclinar, vasculhar

nos fardos e apanhar o que quer na Boutique inclina.
 

A Ninita continuava a contar. E a conversa continuava cada vez mais interessante.
 

As unhas estavam quase feitas e a Esposa do Doutor estava já de unhas e dentes pronta para ir à tal Boutique Inclina.

 

Para onde se inclina o mercado?

 

O informal cresce mais rápido e é o grande mercado em Moçambique.
Tudo começou com as calamidades naturais como as cheias e ciclones.

As imagens dramáticas aparecem na media global.

E os Países do chamado primeiro mundo enviavam donativos. Ainda o fazem.
 

Uma das formas de ajudar é enviar roupa porque as cheias frequentes no País deixam centenas de milhares de pessoas sem nada.
 

Com o andar dos anos, a expressão “calamidades” tornou-se numa marca.
Quando se pergunta a alguém onde comprou tal coisa, a resposta comum é:

 

- “Comprei nas calamidades.”
 

Entretanto esse mercado cresceu muito dada a demanda.
E os mais astutos não deixaram isso passar. Inclinaram-se para aí.

 

Hoje chegam contentores grandes a Moçambique com fardos de roupa vindos da Ásia e outros lugares. Comerciantes locais importam essa roupa para a Boutique inclina.
E os fardos vem compactados.

 

Cada fardo pode chegar a pesar mais de 30 quilos e é vendido por valores superiores a cinco mil meticais.
 

Depois disso há uma acção em cadeia. Os fardos são comprados e revendidos em peças de roupa nos mercados informais.
 

Esses mercados são completos. Um ecossistema de vendas.

 

Até publicitários ambulantes tem. Chamam-se Modjeiros.

São eles que fazem tudo para chamar a atenção dos clientes que vem à Boutique inclina.

 

“- Buyane, buyane, Dzudza, Boutique inclina!”. Que significa, venham, venham, vasculhar na Boutique inclina.
 

Mas é preciso se inclinar. E vasculhar bem para encontrar as melhores peças.
 

A Ninita é uma das clientes mais frequentes da Boutique inclina.
 

Ela tanto inclina que já e inquilina. Passa a vida lá.
Não compra apenas para ela. Revende e faz margem.

 

Faz guevanço.
 

Porque as melhores roupas são seleccionadas e tratadas, lavadas e chegam à cidade como se fossem novas. Embrulhadas. Bem apresentadas. Uma forma de packaging.
 

Até Boutiques do centro nobre da cidade vendem essas roupas.
 

A Ninita explicou que o guevanço é comprar para revender nas grandes empresas de Maputo pela

porta de trás. Ou até nas lojas.
 

Aquelas Senhoras e aqueles Doutores muitas das vezes vem à Boutique inclina.
 

Mas outras vezes A Boutique inclina vai até eles. E lá nas empresas chegam os fardos e compram-se as roupas.
 

Porque nem sempre fica bem um Senhor Doutor ir até lá.
 

Mas comprar sempre se compra.

 

Porque o que vende é o que vem de...
 

São roupas de marca.
 

Mas também tem umas piri-piri. Que significa “piratas” ou falsificadas.
Ou seja, uma calamidade dentro das calamidades.

 

Há de tudo na Boutique inclina.

 

Não é marketing. É bazarketing.

 

Há muito para aprender sobre o mercado local com a Boutique inclina.
 

Acha mesmo que o mercado se inclina para crescer em forma de Shoppings e Malls.

Ou de forma mais simples e orgânica?
 

Todos os anos chegam grandes profissionais de marketing a Moçambique vindos de economias mais avançadas e com bastante experiência.
 

Tentam aplicar aqui as mesmas técnicas de venda desses mercados.
 

Mas é preciso entender para onde o mercado se inclina.

 

O publicitário local tem de ser um Modjeiro. Falar a língua do povo.

E as marcas globais e locais também. Se querem comunicar com o mass-market.
 

Mais de 70% da população moçambicana é jovem. Com uma média de 17 anos de idade. São essas gerações que vão gerir e gerar resultados na economia e definir a verdadeira classe média local.

 

Mas é preciso entender a Boutique inclina e as outras lojas desse enorme Shopping que se chama mercado informal.
 

E dependendo de para onde se inclinar nas estratégias de marketing conseguirá melhores ou piores resultados.

 

Até porque uma inclinação pode ser para baixo ou para cima.
 

Opiniões importadas podem facilmente mudar a inclinação do seu gráfico de vendas.
 

O case da boutique inclina é apenas um de muitos.
 

E na verdade, todas as marcas estão inclinadas para esse mercado. Mas nem todas se inclinam.
 

Por isso, seja qual for o negócio da sua empresa e da sua marca, se quer crescer é preciso ter uma certa inclinação para o mercado local.

A Boutique Inclina.

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    Thiago Fonseca - Chief Creative Officer and Partner of Agência GOLO / CEO of Grupo LOCAL Mozambique

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